José Vergueiro da Cruz
Especialidade:
Acadêmico Patrono
Cadeira: 14
Patrono:
Mini currículo:
Quis o acaso tivesse eu de apresentar,
nesta Academia, traços biográficos do patrono da cadeira número quatorze, que
tenho a honra de ocupar - José Vergueiro da Cruz - justamente na ocasião em que
se completam vinte e cinco anos de sua morte (1975), momento assim propício a homenagear
a sua memória.
Permitam-me, portanto, não me limite eu,
nesta hora, à fria e seca enumeração de fatos e datas da vida de Vergueiro da
Cruz, e aproveite o ensejo para evocar e exaltar a sua figura, a sua
personalidade, a sua carreira e o papel por ele representado na medicina
fluminense.
José Vergueiro da Cruz nasceu em Niterói
no dia 25 de janeiro de 1906 e aqui faleceu no dai 7 de setembro de 1950,
portanto com 44 anos de idade, em pleno apogeu de sua inteligência e atividade
realizadora. Era o quinto filho do casal Francisco Cruz e D. Joaquina Vergueiro
da Cruz e contava cinco irmãos, dentre os quais devemos destacar o colega
Salomão Vergueiro da Cruz, médico ilustre, poeta, membro da Academia Fluminense
de Letras, consagrado por suas inspiradas e bem trabalhadas poesias.
Seu pai, português, conceituado
comerciante desta cidade, era, aqui, Cônsul Honorário e Membro correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico de Portugal. A nacionalidade paterna explica a
predileção de Vergueiro pela literatura portuguesa, em cujos clássicos da
língua era particularmente versado, e sobre os quais costumava discorrer, com
profunda erudição, em tertúlias com os amigos.
Frequentava, também, os autores
estrangeiros, principalmente os franceses.
A literatura de ficção e os temas
políticos e sociais constituíam o seu "hobby", onde repousava do estudo da
medicina, nunca descurado. A leitura era uma de suas grandes paixões.
Conversando com sua filha, que o perdera
ainda criança, disse-me ela que guardava do pai a imagem de um homem sempre às
voltas com um livro, e, ao falar, instintivamente reproduziu por gestos a
posição em que ele segurava o livro quando não o estava lendo, prendendo-o,
quase verticalmente, com o braço, comprimindo-o sobre a região axilar e segurando-o
pela parte superior, mantendo o polegar em extensão. Era uma posição elegante.
A elegância constituía uma das características da personalidade de Vergueiro:
elegância nos trajes, no porte, nos gestos e nas atitudes, expressões físicas
de sua serenidade e ataraxia. Dir-se-ia o tipo, sem afetação, do cavalheiro da "belle époque".
Dotes pessoais e a prática dos esportes
do remo e natação conferiam-lhe um físico apolíneo.
Assim como cultivava as altas letras,
amava as belas artes. Colecionava quadros e objetos de elevado e requintado
valor artístico. Gostava de ler ao som de boa música em surdina.
Foi casado com D. Eleanor Botelho
Vergueiro da Cruz, de conceituada família carioca. Deixou uma única filha, Senhora Maria de Lurdes da Cruz
Parreiras, esposa do senhor Luís Carlos Sardinha Parreiras, e que me deu a
honra de servir de madrinha na instalação solene desta Academia. Ao casal
reitero os meus agradecimentos. Não teve ventura de conhecer os netos e que
também o são de outro niteroiense ilustre, o inesquecível Almirante Ary
Parreiras, e aos quais ofereço o meu afeto. E à neta Regina, futura médica, o
meu estímulo de colega mais velho.
Fez Vergueiro da Cruz o curso ginasial
no Colégio Brasil, esse tradicional educandário que tem sido o grande manancial
dos candidatos mais preparados para os cursos superiores e que se tornaram
exímios profissionais.
Ainda estudante de medicina, ocupou o
cargo de Auxiliar Acadêmico do Pronto Socorro de Niterói, onde entrou pela honrosa
porta do concurso de provas.
Na Faculdade de Medicina orientou seus
estudos para a Clínica Médica, tendo feito a sua educação básica no Serviço de
Clínica Propedêutica, na cátedra do saudoso Professor Agenor Porto, no Hospital
São Francisco de Assis, onde atingiu o posto de interno oficial, ao lado de
grandes clínicos da época, como Rafael de Azevedo, Alexandre Lafayette
Stockler, João Garcia Júnior, Antônio Moraes, Décio Olinto e José Fernando
Câmara, assistentes da Cadeira.
Já nos bancos acadêmicos despontaram em
Vergueiro as aptidões para a liderança - que se iriam expandir mais tarde - ao
fundar a AFEMURJ (Associação Fluminense de Estudantes de Medicina da
Universidade do Rio de Janeiro), entidade de classe estudantil modelar e que se
notabilizou pelas reuniões científicas e sociais que promoveu e da qual foi
primeiro presidente e sócio honorário.
Doutorou-se em 1927, apresentando tese
de "Contribuição ao Estudo da Adonidina", aprovada com distinção e laureada com
o "Prêmio Alvarenga". Teses aprovadas com distinção sempre houve muitas, mas
laureadas pouquíssimas. Fez assim Vergueiro uma despedida triunfal da
Faculdade. Com essas respeitáveis credenciais, ingressou na vida profissional,
como clínico nesta cidade e chefe de clínica médica do Hospital Carlos Chagas,
no Rio de Janeiro. Cedo evidenciou suas qualidades de médico, arguto no
diagnóstico e preciso na terapêutica. Preferia as medicações clássicas, apoiadas
na boa e longa experiência, às novas, desacompanhadas de comprovação
idônea e que muitos prescreviam como ainda se prescrevem, pelo simples fato de
serem novas. Nunca se orientou pela propaganda farmacêutica, muitas vezes
tendenciosa e falaz.
Dedicava-se, de modo especial, às
doenças do coração, de que, por ironia a sorte, veio a sucumbir, vitimado pelo
infarto implacável.
Foi assistente e chefe de clínica da
Faculdade Fluminense de Medicina, na cátedra do Professor Alfredo Backer Filho.
Fez parte destacada do corpo de redatores
de "o Hospital", uma das melhores revistas médicas do Rio de Janeiro.
Não deixou bagagem de trabalhos
escritos, talvez pelo seu perfeccionismo, que exigia de indiscutível mérito.
Era, porém, assíduo nos debates científicos das associações médicas.
Foi, porém, como líder da classe, que
Vergueiro se impôs no conceito dos colegas. Ainda adolescente na profissão,
pois contava apenas dois anos de formatura, lançou a ideia da criação de uma
Associação Médica organizada com bases modernas e seguras e que congregasse
para o estudo e irmanasse pelos laços do coleguismo e dos interesses comuns, todos os médicos de Niterói. Fez dessa ideia um ideal e, para realiza-la,
emprenhou-se, à frente de valoroso grupo de jovens colegas, em intensa
campanha, que culminou em memorável assembleia, onde foi democraticamente
vitoriosa a causa por ele esposada. Era, também, a vitória do "poder jovem" de
então, como o de todos os tempos. Não há porque pormenorizar, se lidos na
excelente e recente síntese histórica da AMF, escrita e publicada pelo nosso
preclaro colega e homem de letras Manoel Pires de Mello. Como seu colaborador,
devo enfatizar, neste momento, a capacidade de trabalho de organizador, seu
vigor de polemista, o entusiasmo do moço aliado à sobriedade de homem maduro, a
correção de seus atos, o caráter democrático de suas decisões. Foi ele, sem
dúvida, o principal artífice da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Niterói,
posteriormente desbatizada para se expandir a Associação Médica Fluminense,
assentada nesta Casa do Médico, "ideal de uma classe a favor do bem comum", na
frase feliz do Acad. Waldenir de Bragança.
Fundada a Sociedade de Medicina e
Cirurgia de Niterói, continuou Vergueiro orientando a sua regulamentação, a
composição de suas principais diretorias, o andamento de seus trabalhos,
liderando, enfim, a sua vida, até senti-la firmemente consolidada.
Só aceitou a presidência em 1940, na
décima segunda diretoria, onde deixou indelével a marca de sua passagem na
realização do Primeiro Congresso de Medicina do Estado do Rio, cuja presidência
entregou, desprendidamente, em obediência à lei do "the right man in the right
place", ao saudoso Professor Almir Madeira, a pessoa mais indicada para o posto
e que levou o conclave ao mais retumbante sucesso. A Sociedade de Medicina e
Cirurgia de Niterói, em merecida homenagem, batizou com o nome de Vergueiro da
Cruz um de seus prêmios e a sua biblioteca.
Quando a Parca traiçoeira lhe cortou
prematuramente o fio da vida, já era ele um político militante, Secretário do
Diretório Municipal e candidato a Vereador de um dos maiores partidos políticos
do país, aquele que mais se coadunava com sua fé democrática - a UDN.
Não fosse a crueldade do destino e, ali,
na política, teria sido um líder, com o brilho e a dignidade com que o foi na
Medicina. Nesta, felizmente, conseguiu concluir sua grande obra. Poderia ter
proclamado como Horácio, o seu grande "exegi monumentum aere perennius".
Edificaria um monumento destinado à perenidade do bronze, mas sem a sua dureza;
um monumento de compreensão, de solidariedade e de amor fraterno e, com ele,
conquistaria a imortalidade de sua memória, simbolizada na cadeira número
quatorze desta Academia.
Biografia escrita pelo Acadêmico Eduardo Imbassahy