Jorge de Moraes Grey




Jorge de Moraes Grey

Especialidade:

Acadêmico Patrono

Cadeira: 18

Patrono: destinado a Seção de Medicina Cirúrgica


Mini currículo:

Numa época em que o tecnicismo alcançava uma posição altamente privilegiada e em que os valores humanos parecem ficar subordinados a ela, cumpre-me, gratamente, falar-vos sobre um homem que, perseguindo a perfeição técnica na sua dedicação à ciência, soube, antes de tudo, levar avante seu ideal humanístico.

Descendente da família ligada à aristocracia rural fluminense, Jorge de Moraes Grey, nascido em 18 de novembro de 1900, dedicou-se à medicina e, mais dentro dela, à cirurgia.

Sua longa e brilhante carreira como cirurgião - não bastassem o conhecimento profundo e o domínio técnica - fez-se paralela à de professor, em que, com a mesma maestria, com a mesma humildade que têm os discípulos na busca incessante de novos conhecimentos, novos caminhos que realizassem aquela - para ele tão antiga - vocação humanística.

Avesso ao conservadorismo, à estagnação, ao ranço proveniente de uma acomodação fácil, já no seu discurso de orador da turma de 1924, o doutor Grey mostrou-se um espírito aberto a novas formas, inquieto no questionamento de valores que lhe afiguravam ultrapassados, permitindo-nos observar características que fariam dele um cirurgião e um mestre invejável.

Esse discurso, que lhe valeu o exílio de dois anos na Europa, possibilitou-lhe realizar estágios em Paris e Viena. Assim se iniciou seu contato com grandes centros estrangeiros, contato que se repetira incessantemente, numa tentativa constante e sempre bem sucedida para estar atualizado nos vários ramos da cirurgia a que se dedicou.

Retorna a seu país e reinicia suas atividades docente e hospitalar, já agora, em ambas como assistente. Devem ser ressaltados não só o fato de como professor, haver-se dedicado ao ensino da Anatomia Humana - o que lhe rendeu segurança com que se escudou no seu trabalho de cirurgião - e, também o fato de haver, como médico, retornado ao serviço de Cirurgia e Urologia do Hospital São Francisco, chefiado por aquele que Grey considerava seu grande mestre: Professor Jorge Gouveia.

Conduzindo seus passos para a conquista da cátedra, o doutor Grey dedicou-se, com uma enorme versatilidade, a vários campos de estudo e de trabalho. Anatomia, Urologia, Técnica Operatória e Cirurgia Experimental, Cirurgia Geral, Neurocirurgia - o que lhe proporcionou amplitude de conhecimentos e a fundamentação segura com que se houve não só na conquista de quatro docências e da cátedra, mas também no seu preparo para tornar-se o notável cirurgião que se preocupava menos com a beleza e a rapidez que com a segurança, precisão e suavidade do ato cirúrgico. Contam seus alunos e amigos que ele dizia - com apurado senso de humor - que a beleza da intervenção cirúrgica não era para a plateia, mas que o importante era a segurança com que se realizariam as manobras cirúrgicas, segurança para a qual ele dizia ser necessário - ainda usando sua verve - o porte simultâneo de cinto e suspensórios. Ainda com enorme propriedade, estabelecia as diferenças entre o operador e o cirurgião.

Operador qualquer um poderia ser, enquanto que cirurgião seria privilégio de alguns poucos bem dotados.

Já de posse de vários títulos de docente, a sua humildade e sua seriedade profissionais lavaram-no a isolar-se, durante dois anos, em propriedade rural, Santa Maria do Rio Grande, preparando-se para a Docência da Faculdade Fluminense de Medicina e Cátedra de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental, na Faculdade Nacional de Medicina.

Esse retiro voluntário era algumas vezes interrompido para que o pretendente à cátedra pudesse assistir no Hospital Miguel Couto, às intervenções cirúrgicas que o Professor Motta Maia, seu amigo fraternal, executava com soberba habilidade, elegância e destreza invulgares.

Duas pessoas contribuíram, de forma decisiva, para o sucesso de Grey nesses dois empreendimentos: sua bela e inteligente esposa Dona Clotilde Veiga Grey e o infatigável colaborador Eduardo Marques Tinoco.

Na defesa da cátedra, mostrou a amplitude de seus conhecimentos, quando, na prova prática de exame de doente, lhe foi apresentado um jovem que havia sido baleado, há meses, no abdômen. A bala havia penetrado no flanco esquerdo, transfixado o tórax, alojando-se na região supra clavicular esquerda, sub-cutaneamente, produzindo lesões vasculares e nervosas. Conseguiu Grey demonstrar o local das lesões como um neurologista experimentado, causando admiração à banca examinadora a exatidão de seu diagnóstico.

Já catedrático, Jorge Grey, incentivado por Brandão Filho, então diretor da Faculdade Nacional de Medicina, decide impulsionar, na sua cadeira, a cirurgia torácica.

Em excelente estudo biográfico sobre nosso patrono, o Professor Jesse Teixeira revela que para por em prática essa decisão, durante oito longos meses, em regime de tempo integral, Jorge Grey trabalhou com eminentes cirurgiões estrangeiros, empreendendo viagens aos Estados Unidos da América do Norte, ao Canadá, à Inglaterra, à Suécia e à França.

Trabalhou, nesse tempo, com John Garlock, pioneiro da cirurgia do esôfago; com Alfred Blalock e a pediatra Helen Taussig, criadores da cirurgia dos "bluebabi" (anastomose subclaviopulmonar); com Willis Potts, mestre da cirurgia pediátrica e cardiotorácica; com Edward Churchili; com Richard Sweet, famoso por sua contribuição às operações pulmonares e esofageanas; com Richard Overholt, inovador da cirurgia broncopulmonar; com Gcfrdon Murray, nome ligado, entre outros estudos, à cirurgia das cardiopatias congênitas; com Sir Clement Price Thomas, com Lord Brock, considerado por Grey o maior cirurgião que conhecera; com Sir Thomas Holmes-Sellors; com Clarence Grafoord, que realizou a primeira correção na coarctação da aorta; Com Paul Santy - todos eles renomados cirurgiões de tórax daquela época.

No seu retorno, organizou e equipou o Serviço de Cirurgia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro e, ainda mais que isso, promoveu a vinda, com permanência demorada, na década de 50, de inúmeros daqueles grandes cirurgiões com os quais trabalhara, para aqui darem cursos, pronunciarem conferências e realizarem demonstrações cirúrgicas.

Este fato, a introdução da cirurgia torácica no Rio de Janeiro, sua maior contribuição à cirurgia brasileira, por si só, mostra a magnanimidade, o altruísmo, a humildade de um homem que, não satisfeito em conhecer pessoalmente novas técnicas, quis dividir, com outros, as possibilidades que tivera ao frequentar aqueles mestres; quis trazer até nós as chances de um contato maravilhosamente promissor quis dar provas de sua fé na capacidade humana; de sua esperança no desenvolvimento de uma especialidade que, posta a serviço do homem brasileiro, possibilitaria a abertura de caminhos até então não trilhados entre nós, na recuperação de inúmeros pacientes.

Se como cirurgião quis dividir com outros, conhecimentos e técnicas, preocupando-se sempre com o diagnóstico preciso e precoce das afecções cirúrgicas, enquanto professor, alimentou, em cada aluno o exercício da imaginação criadora, levando cada um deles, mais que a adestrar-se em perícia - a preparar-se para a vida, ajudando-os a descobrir a inquietação da busca permanente; se como cirurgião foi eficiente, firme e seguro, como professor soube, mais que muitos, ter a segurança necessária para reconhecer em seus alunos a necessidade de experiência e estímulo; se como cirurgião foi uma mente sôfrega por horizontes mais amplos e mais claros, sempre atento na solução dos pequenos e grandes problemas da patologia cirúrgica, com métodos e processos cirúrgicos novos e eficientes, como professor foi capaz de bombear poços profundos existentes em cada um de seus discípulos, encorajando-os na busca de soluções que seriam vistas na atmosfera da verdade e da prova científica.

Como professor, o Dr. Grey foi um modernizador, desbravando caminhos até então não vencidos na cirurgia brasileira; foi um exemplo, que a preguiça ou o medo nunca conseguiram destruir; foi uma autoridade - pois era aquele que sabia e que confiava no próprio conhecimento; mas, humilde, foi também o aluno, que se empenhou num aprendizado ativo e intencional enquanto lecionou; foi um "contador de histórias", em que o humor nunca esteve ausente; foi um rotineiro, mas também um desbravador; um homem realista, mas também aquele que soube sonhar e construir uma escola que tem hoje, muitos seguidores fiéis. 

Principalmente, senhores, Jorge de Moraes Grey foi uma pessoa humana que, procurando aperfeiçoar-se, levou outros ao aperfeiçoamento; fazendo de seus assistentes grandes mestres, a ponto de confiar-se, cegamente, a um deles, escolhido, por sorteio, quando precisou submeter-se a uma intervenção cirúrgica. Foi alguém que não se deixou esmagar por nenhuma força, mas aproveitou as dificuldades para superar-se a si mesmo; que amou profundamente a natureza humana, a quem se dedicou no exercício da profissão que escolheu.

Ao retirar-se das atividades de médico e professor, em 1966, volta às suas origens, volta à Santa Maria do Rio Grande, aquele mesmo recanto que hospedara ilustres cirurgiões estrangeiros e que fora palco de episódios pitorescos e comprovadores da capacidade de improvisação de nosso povo. Conta-se que certa feita, quando lá se encontrava Sir Clement Price-Thomas, o anfitrião foi chamado para atender um parto difícil em que aparecia o pé da criança. Ao chegarem ao local, viram uma senhora negra e de pequena estatura realizar com rara habilidade e rapidez as manobras necessárias para o nascimento da criança. Impressionado, Price-Thomas fotografou aquela "obstetra" e afirmou que apresentaria comunicação do fato ao Royal College of Surgeons.

Em seu retorno ao ambiente rural, dedica-se à criação de gado e embora não chegasse a se fixar numa raça determinada, ainda assim, não fugiu à sua vocação perfeccionista, notabilizando-se por procurar sempre criar raças finas e por introduzir técnicas modernas na atividade agropecuária. Chegou a ser grande expositor em Cordeiro, Campos e Belo Horizonte.

Homem profundamente culto, amigo de artista, colecionador de antiguidades, conhecedor de vários idiomas, grande orador, membro das mais notáveis sociedade médicas nacionais e estrangeiras; relator e correlator em congressos de medicina; autor de sessenta e três títulos que abarcam desde diferentes setores da cirurgia até o seu ensino. O grande impacto que causava Jorge Grey, não estava só na erudição, mas principalmente na sua personalidade e no seu caráter.

Homem do mundo, afeito às lides intelectuais, integrava-se de tal modo à vida rural e mesmo fazia-se tão ligado a ela que o administrador de sua fazenda, ao ser-me apresentado recentemente pelo nosso companheiro e meu particular amigo Celso Erthal, disse: Para conhecer bem Jorge Grey, seria necessário que aqui chegasse não de carro, mas de jeep ou de troley e cavalgasse por essas serras, e caísse do cavalo, e fizesse tudo aquilo que fazíamos, pois só assim o senhor saberia quem verdadeiramente foi o Dr. Grey.

Conheci Jorge Grey na sua defesa de tese para a Docência em Técnica Operatória da Faculdade Fluminense de Medicina. Estive com ele em algumas outras oportunidades, pela última vez, em Campos, na VI Semana Nacional do Cavalo, pouco antes de sua morte, quando ele pareceu resumir tudo o que havia feito em sua vida: dedicado à agropecuária, mas não esquecido da medicina e fiel ao culto pelas antiguidades, abre naquela cidade, o desfile inaugural, em carruagem antiga de sua propriedade, puxada por soberbos animais. No dia imediato, a convite do chefe do Departamento de Cirurgia, Professor Guilherme Eurico Bastos da Cunha, pronuncia na Faculdade de Medicina de Campos aquela que julgamos ter sido sua última aula.

E sua vida nos demonstra que ele soube reconhecer que "para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus", aproveitando cada momento para a construção de uma vida, cujo exemplo de pertinácia, de dedicação e de inconformismo, foi o legado mais importante que nos deixou.

Faleceu em 11 de janeiro de 1971 na cidade onde exerceu por longos anos toda sua profícua atividade profissional. Seus restos mortais foram velados no Salão Nobre da Academia Nacional de Medicina

 

 

Biografia escrita pelo Acadêmico Geraldo da Silva Venâncio.


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